Pequim, 10 Out (Lusa) – Os testes nucleares norte-coreanos deixaram a China “furiosa” e a alienação de Pequim isolará ainda mais Pyongyang do resto do mundo, afirmaram hoje analistas chineses, no dia em que a ONU debate a resposta a dar ao regime norte-coreano.
A maioria dos analistas e observadores regionais concordam que a posição chinesa é a mais importante qualquer que seja o cenário futuro na península coreana, uma vez que a China, que partilha com a Coreia do Norte uma fronteira com mais de mil quilómetros de extensão, é ainda uma aliada norte-coreana e é o único grande parceiro internacional do regime estalinista, fornecendo mais de dois terços da alimentação e energia que a Coreia do Norte necessita.
“Uma vez que o único grande ponto de contacto da Coreia do Norte com o resto do mundo é a China, qualquer resposta internacional só fará sentido se incluir os chineses e isso é válido, acima de tudo, para a imposição de sanções”, afirmou Joseph Cheng, professor catedrático de Ciência Política da “City University” de Hong Kong, à Agência Lusa.
O Japão e os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU reúnem-se hoje para discutir a resposta a dar ao teste nuclear norte-coreano, com base nas propostas de sanções avançadas pelos Estados Unidos.
A China tem direito de veto no conselho tal como os restantes membros permanentes (Estados Unidos da América, França, Rússia e Reino Unido) e a posição tradicional de Pequim tem sido contra sanções e a favor do diálogo, mas Liu Jianchao, porta-voz diplomático chinês, deixou em aberto a adopção de sanções.
“A China, bem como os outros membros do Conselho de Segurança, continuará a trocar opiniões sobre os próximos passos a dar”, disse hoje Liu Jianchao em conferência de imprensa de rotina, respondendo a perguntas sobre a adopção de sanções, após o governo chinês ter considerado na segunda-feira que, ao efectuar os testes nucleares, a Coreia do Norte ignorou “descaradamente” os desejos da comunidade internacional
“Pequim está furiosa com os testes nucleares norte-coreanos”, afirmou à Agência Lusa um diplomata asiático em Pequim, com Peter Beck, da organização de análise e prevenção de conflitos International Crisis Group (ICG) a concordar e a dizer que “ a China está muito transtornada” com os testes.
“O teste aumenta a instabilidade na região, demonstra que o vizinho tem armas nucleares e por isso fere os interesses nacionais da China. Vai causar um impacto negativo nas relações entre Pequim e Pyongyang”, disse Jin Canrong, da Escola de Relações Internacionais da Universidade Popular de Pequim.
Jin disse que as declarações de Liu Jianchao “marcam o início da mudança de atitude da China em relação à Coreia do Norte, que deverá passar a ser mais dura”.
Liu Ming, do Instituto de Estudos da Ásia-Pacífico da Academia de Ciências Sociais de Xangai, afirmou que os testes nucleares norte-coreanos são “uma grande desilusão para a China”, porque, seguindo-se a uma advertência diplomática de Pequim, que vem desde há meses defendo a via do diálogo para a solução do impasse nuclear na península, “deitam por terra todos os esforços diplomáticos anteriores”.
Mas os próximos passos da China, afirmam os analistas, revelam o delicado equilíbrio estratégico que na região da Ásia Oriental porque, tal como disse Joseph Cheng, “Pequim tem os pés e mão atados, sabe –e tem avisado a comunidade internacional - que tem vindo a perder influência sobre a Coreia do Norte e sabe também que os militares mais ortodoxos e belicistas têm vindo a ganhar poder em Pyongyang”.
Cheng considerou que “a China só tem a perder com o aumento da insegurança e com o eventual maré de refugiados caso a Coreia do Norte se torne um estado falhado”, mas adiantou que, enfraquecido como está, o governo chinês tentará ganhar tempo, mas não está em condições de se opor a sanções.
Liu Ming previu que Pequim vai defender uma versão mais “suave” das sanções, assumindo que Washington vai insistir na imposição de sanções aos transportes aéreos e marítimos à Coreia do Norte, por onde chega a maioria da ajuda alimentar e energética chinesa à Coreia do Norte.
“O factor mais importante é o medo da China de que as sanções tenham como consequência uma crise interna na Coreia do Norte quer possa eventualmente ferir também a China,” afirmou Shi Yongming, do Instituto Chinês de Estudos Internacionais.
Peter Beck salientou no entanto que uma das poucas consequências benéficas dos testes nucleares de segunda-feira, que confirmam que a Coreia do Norte possui armas nucleares, é a eventual criação afinidades entre a Coreia do sul, China e Japão, tradicionais rivais regionais, mas que só têm a ganhar na contenção da maré nuclear norte-coreana.
Jospeh Cheng, ao contrário de muitos analistas, considera que o regime de Pyongyang não sofre de falta de racionalidade, antes “sabe muito bem o que está a fazer” e aposta na fragmentação da comunidade internacional.
“A Coreia do Norte conhece muito bem os pontos fracos da China. Sabe também que os Estados Unidos não querem nenhuma guerra porque estão atolados no Iraque e no Afeganistão e sabe que, na Ásia Oriental, ninguém quer uma guerra. É esta a raiz do problema”, afirmou Cheng.