Wednesday, August 23, 2006

Zen e arte de traficar cigarros



A história do monge todo-o-terreno faz-me lembrar quando andei em Lisboa na meditação. Não quero, juro, gozar com as crenças de ninguém. Mas fartava-me de cruzar com gente que parecia que ia encontrar o Nirvana já ali ao cimo da Calçada da Ajuda (o Monte Meru com vista para a Trafaria), só comia arroz integral e falam em “boas e más energias,” e “no espírito” e “na aura.”
E tinham foto do Dalai Lama na carteira.

E eu só me lembrava de um amigo birmanês com quem eu dividi casa, que todos os anos ia a casa, rapava o cabelo, punha as vestes açafrão e cumpria 15 dias de retiro no mosteiro budista do bairro. Pois bem, era o meu amigo que levava o whisky e o tabaco de contrabando para os monges, os tais que, na ideia de muita gente, são a encarnação das espiritualidade do despojamento, da austeridade e a negação do materialismo e do consumo.

Porque é que um monge budista há-de ser menos que um ser humano normal, sem desejos materiais, todo meditação e espiritualidade? Muitos só são monges porque não tiveram outra hipótese de subir na vida, se queriam estudar e ser alguém tinham de abraçar a carreira religiosa. Tal como muita gente em Portugal só teve hipótese de estudar no seminário, e ou ia para padre, para a tropa ou para a GNR.

Porque é que havemos de ser todos Richard Geres de pacotilha e colar logo o rótulo de “espiritualidade” a alguém, só porque é monge budista, tem o cabelo rapado e não tem cartão de
crédito? Porque é que os asiáticos hão-de ser menos “modernos” que europeus ou americanos?
Porque é que hão-de ser a nossa reserva moral da honradez e da simplicidade, mas sem hospitais e com enormes taxas de iliteracia, mortalidade infantil?

















O elogio da espiritualidade oriental confunde-se muitas vezes com os preconceitos, com a fotografia da Ásia que temos na cabeça, dos arrozais verdes, do búfalo pachorrento, do chapéu em bico e do agricultor em paz consigo mesmo e com o mundo. E, não poucas vezes, a pagar imposto ao colonizador europeu, mas sem vontade de se revoltar porque ele, já se sabe, é só espiritualidade....

Pois bem, a Ásia não é só isso, se calhar nunca foi e, a observar pelas taxas de migração para as cidades, muitos asiáticos têm vontade de fugir da fotografia. É que o fotógrafo, muitas vezes, esquece-se de ver que os modelos não estão ali por opção. Estão porque não podem escolher sair do retrato.

Quem sabe, o bom do monge de Shaolin pode mesmo por no carro um daqueles autocolantes grunhos que dizem “gosto de cerveja fria, mulheres quentes e carros rápidos.” Embora eu ache que não…

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